Diferença(s) e Educação aproximações a partir da perspectiva intercultural

Vera Maria Candau

Resumo

Uma das questões que atualmente tem suscitado intensos debates, tanto no âmbito social quanto acadêmico e educacional, diz respeito à problemática das relações entre igualdade e diferença, políticas de redistribuição e de reconhecimento. Segundo Perucci (1999), estamos vivendo uma mudança de clima social e cultural. Da ênfase na igualdade, muitas vezes silenciadora e/ou negadora das diferenças, estas adquirem uma forte visibilidade e mesmo centralidade na contemporaneidade. O desafio posto é articular igualdade e diferença nos diversos espaços sociais e educacionais. O presente trabalho focaliza a questão das relações entre educação e diferença(s), tanto no âmbito da escola básica, quanto da universidade. Está baseado em duas pesquisas realizadas no contexto do Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Cultura(s) (GECEC). Assume a perspectiva teórica do multiculturalismo crítico. Privilegia a ótica da educação intercultural.

Palavras-Chave: Igualdade – diferença – reconhecimento – multiculturalismo - educação intercultural

Abstract

An issue that is currently arousing heated debates both in the social and in the academic and educational fields concerns the problem of the relationship between equality and difference, of politics of redistribution and recognition. According to Perucci (1999) we are experiencing a change in both the cultural and social climates. From a time when emphasis was placed on equality, frequently silencing and/or denying differences, the latter have become increasingly visible, even central, to the contemporary world. The challenge we are presented with is how to articulate equality and difference in the different social and educational contexts. The present study focuses on the issue of the relationship between education and difference(s), both in the context of elementary schools and universities. It is based on two research projects carried out by the research group on Daily Life, Education and Culture(s). It adopts the theoretical framework of critical multiculturalism and it promotes an intercultural education perspective.

Key Words: Equality - difference – recognition – multiculturalism – intercultural education

Introdução: a tensão entre igualdade e diferença

        No mundo atual a consciência de que estamos vivendo mudanças profundas, que ainda não somos capazes de compreender adequadamente é cada vez mais aguda. Para muitos autores, não estamos simplesmente vivendo uma época de mudanças significativas e aceleradas. O que estamos experimentando é uma mudança de época.
        Neste contexto, extremamente vivo e plural, de discussão e busca, algumas questões podem ser identificadas como ocupando uma posição central nos debates, sendo expressão de matrizes teóricas e político-sociais diferenciadas. Entre elas podemos citar a problemática das relações entre igualdade e diferença.
        Uma expressão desta problemática pode ser evidenciada pela natureza do recentemente publicado Relatório do Desenvolvimento Humano 2004, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, que associa explicitamente, pela primeira vez nos relatórios anuais publicados, as questões relativas ao desenvolvimento às culturais:

O que é novo, hoje, é a ascensão de políticas de identidade. Em contextos muito diferentes e de modos muito diversos – desde os povos indígenas da América Latina às minorias religiosas na Ásia do Sul e às minorias étnicas nos bálcãs e em África, até aos imigrantes na Europa Ocidental – as pessoas estão se mobilizando de novo em torno de velhas injustiças segundo linhas étnicas, religiosas, raciais e culturais, exigindo que sua identidade seja reconhecida, apreciada e aceite pela sociedade mais ampla. Sofrendo de discriminação e marginalização em relação a oportunidades sociais, econômicas e políticas, também exigem justiça social (p.1). Em todo o mundo as pessoas são mais afirmativas para exigir respeito pela sua identidade cultural. Muitas vezes, o que exigem é justiça social e mais voz política. Mas não é tudo. Também exigem reconhecimento e respeito... E importam-se em saber se eles e os filhos viverão em uma sociedade diversificada, ou numa sociedade em que se espera que todas as pessoas se conformem com uma única cultura dominante (p.22).

        A consciência da relação entre as questões referentes à justiça, superação das desigualdades e democratização de oportunidades e as relativas à diferença e ao reconhecimento de diferentes grupos sócio-culturais se faz cada vez mais aguda e intensa.
        Na linha de pesquisa que vimos desenvolvendo desde 1996, intitulada Cotidiano, Educação e Cultura(s) (Candau 1997a, 1997b, 1998, 2000, 2002a, 2002b,2002c, 2003a, 2003b, 2003c, 2004a, 2004b, 2004c, 2005), as tensões entre igualdade e diferença têm emergido como fundamentais, tanto no âmbito social, quanto no educacional.
        No que se refere à educação, afirma Gimeno Sacristán1 (2001):

A diversidade na educação é ambivalência, porque é desafio a satisfazer, realidade com a qual devemos contar e problema para o qual há respostas contrapostas. É uma chamada a respeitar a condição da realidade humana e da cultura, forma parte de um programa defendido pela perspectiva democrática, é uma pretensão das políticas de inclusão social e se opõe ao domínio das totalidades únicas do pensamento moderno. Uma das aspirações básicas do programa pro-diversidade nasce da rebelião ou da resistência às tendências homogeneizadoras provocadas pelas instituições modernas regidas pela pulsão de estender um projeto com fins de universalidade que, ao mesmo tempo, tende a provocar a submissão do que é diverso e contínuo, “normalizando-o” e distribuindo-o em categorias próprias de algum tipo de classificação. Ordem e caos, unidade e diferença, inclusão e exclusão em educação são condições contraditórias da orientação moderna... E, se a ordem é o que mais nos ocupa, a ambivalência é o que mais nos preocupa. A modernidade abordou a diversidade de duas formas básicas: assimilando tudo que é diferente a padrões unitários ou “segregando-o” em categorias fora da “normalidade” dominante (p. 123-124).

        A consciência da relação entre as questões referentes à justiça, superação das desigualdades e democratização de oportunidades e as relativas à diferença e ao reconhecimento de diferentes grupos sócio-culturais se faz cada vez mais aguda e intensa.
        Na linha de pesquisa que vimos desenvolvendo desde 1996, intitulada Cotidiano, Educação e Cultura(s) (Candau 1997a, 1997b, 1998, 2000, 2002a, 2002b,2002c, 2003a, 2003b, 2003c, 2004a, 2004b, 2004c, 2005), as tensões entre igualdade e diferença têm emergido como fundamentais, tanto no âmbito social, quanto no educacional.
        No que se refere à educação, afirma Gimeno Sacristán1 (2001):

A diversidade na educação é ambivalência, porque é desafio a satisfazer, realidade com a qual devemos contar e problema para o qual há respostas contrapostas. É uma chamada a respeitar a condição da realidade humana e da cultura, forma parte de um programa defendido pela perspectiva democrática, é uma pretensão das políticas de inclusão social e se opõe ao domínio das totalidades únicas do pensamento moderno. Uma das aspirações básicas do programa pro-diversidade nasce da rebelião ou da resistência às tendências homogeneizadoras provocadas pelas instituições modernas regidas pela pulsão de estender um projeto com fins de universalidade que, ao mesmo tempo, tende a provocar a submissão do que é diverso e contínuo, “normalizando-o” e distribuindo-o em categorias próprias de algum tipo de classificação. Ordem e caos, unidade e diferença, inclusão e exclusão em educação são condições contraditórias da orientação moderna... E, se a ordem é o que mais nos ocupa, a ambivalência é o que mais nos preocupa. A modernidade abordou a diversidade de duas formas básicas: assimilando tudo que é diferente a padrões unitários ou “segregando-o” em categorias fora da “normalidade” dominante (p. 123-124).

        Segundo Antonio Flavio Perucci (1999), a partir dos anos 70 houve uma mudança de sensibilidade, de clima social e cultural em torno da articulação entre igualdade e diferença. Da ênfase na igualdade, muitas vezes silenciadora e/ou negadora das diferenças, estas passam a primeiro plano, podendo comprometer ou eclipsar a afirmação da igualdade. Na apresentação de seu livro Ciladas da Diferença (1999), afirma:

Somos todos iguais ou somos todas diferentes? Queremos ser iguais ou queremos ser diferentes? Houve um tempo que a resposta se abrigava, segura de si, no primeiro termo da disjuntiva. Já faz um quarto de século, porém, que a resposta se deslocou. A começar da segunda metade dos anos 70, passamos a nos ver envoltos numa atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova, na qual parece generalizar-se em ritmo acelerado e perturbador a consciência de que nós, os humanos, somos diferentes de fato, porquanto temos cores diferentes na pele e nos olhos, temos sexo e gênero diferentes além de preferências sexuais diferentes, somos diferentes de origem familiar e regional, nas tradições e nas lealdades, temos deuses diferentes, diferentes hábitos e gostos, diferentes estilos ou falta de estilo; em suma, somos portadores de pertenças culturais diferentes. Mas somos também diferentes de direito. É o chamado ‘direito à diferença’, o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo diferente. The right to be different!, é como se diz em inglês o direito à diferença. Não queremos mais a igualdade, parece. Ou a queremos menos. Motiva-nos muito mais, em nossa conduta, em nossas expectativas de futuro e projetos de vida compartilhada, o direito de sermos pessoal e coletivamente diferentes uns dos outros (p.7).

        Como articular igualdade e diferença sem que um anule o outro, ou o deixe na penumbra, relativizando sua importância? Como estas questões são trabalhadas nos processos sociais e na educação?
        No presente trabalho, tendo por base pesquisas que vimos realizando, focalizaremos a questão das relações entre educação e diferença(s), tanto no âmbito da escola básica, quanto da universidade. Este texto está baseado em dois trabalhos elaborados no contexto do Grupo de Estudos sobre Cotidiano, Educação e Cultura(s) (GECEC), no presente ano.

... a diferença está no chão da escola.2


professora Ana3


        A afirmação do título vem do depoimento de uma professora de Didática entrevistada na pesquisa Ressignificando a Didática na perspectiva inter/multicultural, que vimos realizando desde 2003 até a presente data, com o paoio do CNPq. Foi destacada por revelar, de forma breve, porém expressiva, o reconhecimento da centralidade da questão da diferença na educação escolar, também explicitada pelos demais entrevistados. As entrevistas – semi-estruturadas, realizadas com vinte docentes pesquisadores/as vinculados/as ao grupo de trabalho de Didática da Anped – juntamente com a revisão dos trabalhos apresentados nos Endipe e nas reuniões anuais da Anped no período de 1994 a 2002, tiveram o propósito de investigar a penetração da perspectiva multicultural no campo da Didática.
        Na fase atual da pesquisa, com base na análise das entrevistas e da revisão bibliográfica realizadas, podemos afirmar: apesar de haver consenso entre os entrevistados e entrevistadas quanto ao reconhecimento de questões relativas à diferença nos espaços escolares, a apropriação dos aportes do multiculturalismo parece ser ainda relativamente incipiente no campo da Didática. Nessas mesmas entrevistas, contudo, foi recorrente a afirmação de que essa problemática já vinha sendo tratada pela teoria pedagógica por outros caminhos que não na perspectiva multicultural. De fato, a temática da diferença na educação não é um problema inédito, nem tampouco se pretende ignorar as importantes teorizações já construídas a esse respeito. Como afirma Gimeno Sacristán, referindo-se a essa mesma discussão: “não convém anunciar esses problemas como sendo novos, nem lançá-los como moda, perdendo a memória e provocando descontinuidades nas lutas para mudar as escolas” (2002, p.15).
        Nesse sentido, lembramos, em diálogo com os depoimentos coletados na pesquisa, alguns marcos da construção do discurso sobre a diferença no campo pedagógico brasileiro, visando identificar a especificidade das contribuições da perspectiva multicultural.

Olhares a partir da psicologia


Eu tive uma referência forte do behaviorismo, eu tive dois anos de formação de psicologia bem dentro da linha behaviorista... Isso foi uma marca forte,e, quando passamos para o terceiro ano, mudou o referencial, não era mais o behaviorista, mas era o cognitivista... Então, o referencial que eu tive, nessa época de formação, era esse referencial psicológico.
(professora Lúcia)


        O referencial psicológico nos estudos em Didática é uma alusão freqüente nas memórias da formação de educadores/as4 , não apenas na citação acima. Reflete-se, desse modo, na trajetória de professores e professoras brasileiros/as, uma associação entre a Didática e a Psicologia que em muito antecede os cursos de formação por eles mencionados. Segundo Oliveira (1988), tal associação remonta ao século XIX, com tentativas de buscar na psicologia os fundamentos da prática e da teoria educacionais, mas já teria sido de certo modo anunciada nas teorizações de Locke e de Rousseau acerca da questão da educação, nos séculos XVII e XVIII, respectivamente. O primeiro defendia a necessidade de se conhecer o “caráter” da criança, enquanto o último derivava sua proposta educativa do conhecimento das etapas de desenvolvimento do ser humano e enfatizava o respeito à individualidade do aprendiz. Um primeiro reconhecimento da diferença do ser criança em geral e de cada indivíduo em particular advinha, portanto, de um olhar de cunho psicológico.
        A forma mais básica de aplicação dessa perspectiva na prática pedagógica sobreviveu até os dias de hoje: a diferenciação tipológica, ou seja, o agrupamento de alunos em classes homogêneas, em função do que seria a sua “capacidade de aprendizagem” (Titone, 1966). Com o avanço dos estudos em psicologia, outras tentativas de trabalhar didaticamente as diferenças individuais dos aprendizes chegam com força no pensamento pedagógico brasileiro já nas primeiras décadas do século XX, por meio das várias versões do movimento da Escola Nova que aqui encontraram repercussão.
        Falar sobre a questão da diferença na Escola Nova de forma sintética é um desafio, se não uma temeridade, posto que uma das suas características é a pluralidade de tendências abrigadas sob esse rótulo, bem como a dinâmica de permanente renovação dos seus postulados teóricos. Apesar de toda essa diversidade, existem alguns traços em comum que justificam a classificação de tais tendências na Escola Nova. Interessa-nos particularmente sua visão acerca da problemática da diferença na educação, dada a sólida influência que exerceu e ainda exerce no pensamento pedagógico brasileiro. Di Giorgio (1989) observa que diversos traços do ideário escolanovista praticamente se naturalizaram na nossa teoria educacional e mesmo no senso comum em geral:
Acostumamo-nos a considerar ofensiva a palavra tradicional. Ao mesmo tempo, também nos acostumamos a ter impressão melhor de uma classe onde os alunos estejam se mexendo, de preferência fazendo alguma coisa com as mãos, que de uma classe onde eles se encontrem sentados. [...] Educação, para nós, é vida, e não preparação para a vida. Costumamos dizer que ‘mais importante que aprender, é aprender a aprender’. Aceitamos facilmente a afirmação de que a mais importante ciência auxiliar da educação é a psicologia (p.5).

        Como é sabido, as primeiras escolas novas, portando especificamente essa denominação, surgiram na Europa, a partir de 1880, respondendo a um contexto de profundas transformações socioeconômicas, marcado pelo industrialismo, crescente urbanização e ampliação da escolarização, para o qual avaliou-se que a escola tradicional não mais faria sentido (Lourenço Filho, 1978). A partir dessa origem européia, o movimento se multiplica em diversos outros países, com diferentes encaminhamentos e autores. Palácios (1979) cita três etapas como forma de organizar o entendimento dessa trajetória. A primeira só nos influenciou indiretamente: foi a etapa romântica, inspirada predominantemente em Rousseau. Na segunda etapa, fortemente marcada pela psicologia evolutiva e que mais caracteriza a Escola Nova: Claparède, Decroly e Montessori, vindos da Europa, e Dewey, dos EUA. Aponta ainda uma terceira fase, em que autores, como Freinet, na França, e Neill, com sua experiência da escola de Summerhill, na Inglaterra, radicalizaram a proposta de reforma da escola tradicional, no sentido do engajamento sociopolítico – caso de Freinet – ou do antiautoritarismo nas relações e práticas escolares, como em Summerhill.
        Todos os autores citados por Palácios deixaram alguma marca no pensamento pedagógico brasileiro. Eduard Claparède, formado médico em 1897, na Suíça, onde atuou profissionalmente na área educacional, difundiu, até por meio do título da sua obra clássica – A escola sob medida – um dos principais postulados da Escola Nova: a necessidade de adequação das práticas escolares às características de cada estudante (Lourenço Filho, 1978).
        Também com formação em medicina, Ovídio Decroly, belga, e Maria Montessori, italiana, propuseram sistemas didáticos que alcançaram ampla difusão, não apenas no Brasil e nos seus países de origem. Ambos desenvolveram suas propostas a partir de estudos sobre o ensino e a aprendizagem de crianças com deficiências mentais, mas se diferenciaram em alguns aspectos da sua atuação teórico-profissional, como no maior espaço concedido por Decroly à dimensão social na educação, ou na opção pela educação infantil, por parte da educadora italiana. Liberdade, atividade, individualidade e interesse da criança foram princípios enfatizados pelas duas propostas educativas, ainda que desenvolvidos por caminhos distintos, encontrando repercussão significativa a proposta da aprendizagem em centros de interesse, de Decroly, e os materiais desenvolvidos por Montessori (id.).
        As idéias do filósofo estadunidense John Dewey foram trazidas para o Brasil, principalmente, por Anísio Teixeira, conhecido educador brasileiro, talvez o nome com maior freqüência associado à Escola Nova e ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Dewey destacava a noção de atividade nos processos de aprendizagem, fundamentando suas proposições na psicologia, e, por esse viés, ocupando-se da individualidade dos estudantes. Estava, por outro lado, profundamente envolvido na vida política do seu país e considerava os espaços escolares como o lócus privilegiado para a experimentação e desenvolvimento de práticas e valores necessários à vida democrática (Moreira, 2002). Também no Manifesto dos Pioneiros, a dimensão política encontrava um espaço significativo, que se justifica menos pelos princípios educativos da Escola Nova do que pelo momento histórico vivido então pelo Brasil, que passava por um processo de reordenação política e econômica, inaugurado pela chamada Revolução de 30. Mas além das afirmações de cunho político relativas à educação, como a reivindicação de laicidade no ensino e de universalização do acesso à educação escolar, o documento expressava a opção pelos princípios da Escola Nova, reafirmando inclusive a primazia do referencial da psicologia evolutiva – “dirigir o desenvolvimento natural e integral do ser humano em cada uma das etapas do seu crescimento”.
        Além desses autores, também Piaget aparece no Brasil como um nome influente ligado à Escola Nova, com a especificidade de propor uma teorização das etapas de desenvolvimento cognitivo em bases científicas. A partir da década de 70, mas principalmente nos anos 80, com a difusão do construtivismo, sua teoria renovou a penetração dos princípios da Escola Nova, reafirmando mais uma vez a necessidade do reconhecimento das diferenças individuais nos processos educativos e a importância da atividade e da autonomia discente nesses processos.
        Em uma abordagem diferente e contrastante com as perspectivas educacionais até agora abordadas neste item, o ensino programado também se ocupou da adequação dos processos pedagógicos ao ritmo de cada aluno/a, porém baseando-se em outra teoria da psicologia. Fundamentando-se no behaviorismo, em especial nas formulações do psicólogo estadunidense Burrhus Frederic Skinner, que propunha em seu famoso artigo The science of learning and the art of teaching, publicado na Harvard Education Review em 1954, a aplicação da sua teoria do reforço à prática escolar. A partir da concepção do ensino como um processo de “modelagem comportamental”, defende a importância da construção de seqüências de aprendizagens, dos comportamentos mais simples aos mais complexos, por aproximações sucessivas, que deveriam ser trabalhadas individualmente por cada aluno/a, respeitando-se o ritmo de cada um/a. Baseado nesse princípio, concebe suportes didáticos, textos veiculados através de livros ou das chamadas “máquinas de ensinar”, que liberariam os/as professores/as de tarefas mecânicas e rotineiras, para que pudessem se dedicar a um contato mais individualizado com os alunos e alunas. A seqüência linear da matéria disponibilizada permitiria o reforço sistemático. A essa programação linear, proposta por Skinner, foi posteriormente incorporada à programação intrínseca ou ramificada, proposta por Norman Crowder, que, segundo as respostas dadas pelos alunos/as, oferecia itinerários diferenciados de aprendizagem, previamente definidos (Candau, 1969).
        Em termos gerais, os aportes da psicologia favoreceram, portanto, uma importante produção sobre a diversificação dos processos de ensino-aprendizagem do ponto de vista do indivíduo, reconhecendo os diferentes modos e ritmos de aprender. Salta aos olhos, contudo, a ausência da dimensão sociocultural nessas abordagens.

A emergência da dimensão cultural


Na década de 80, eu acho que as questões das diferenças começam a ser discutidas em função das críticas da Sociologia – das Ciências Sociais em geral – aos saberes pedagógicos da área da didática e da própria psicologia. Face a isso, a questão das diferenças começa a ser discutida por nós em termos de classe social.
(professora Ana)


        Fora do Brasil, a partir de meados da década de 60, ganham projeção às abordagens sociológicas – como a Nova Sociologia da Educação, desenvolvida na Inglaterra – que tratam da questão do fracasso escolar das populações que tinham ingressado havia pouco tempo nos sistemas de educação formal dos países europeus e norte-americanos.
        A NSE surgia, de um lado, como desdobramento das discussões sobre a desigualdade de oportunidades no sistema escolar, vinculadas teoricamente ao funcionalismo e, em nível político, à social-democracia, tendências hegemônicas nas décadas de 1950 e 60 no campo da sociologia da educação, naquele país; de outro, pelos estudos sobre cotidiano escolar, cada vez mais freqüentes na sociologia britânica, a partir dos anos 60. Opunha-se, dessa forma, à teoria do déficit lingüístico e cultural, que entendia que os alunos das camadas populares trariam para a escola uma linguagem e um background cultural deficientes, inadequados ao pensamento lógico e à apropriação do que seria o patrimônio cultural da humanidade, explicando assim o quadro freqüente de fracasso escolar desses estudantes. Onde essas teorias percebiam déficit, a NSE enxergou a diferença cultural, que poderia ser lida como deficiência no espaço escolar apenas devido à estrutura social vigente, o que inclui a constituição de escolas voltadas para os grupos sociais de maior poder. Enfatizaram, desse modo, a construção social dos processos de educação escolar, centrando sua reflexão nos conteúdos de ensino, cujo valor foi desnaturalizado quando colocado em discussão (Forquin, 1993). No final da década de 70 começam a repercutir, no Brasil, as proposições desse movimento, mas Moreira (1999) localiza apenas no período entre 1988 e 1992, uma maior incidência de referências a abordagens filiadas a NSE, em artigos publicados no campo da educação.
        Bem antes disso, entretanto, Paulo Freire, no nordeste brasileiro, inovou a prática e a teoria pedagógicas, quando defendeu a importância de se considerar o universo cultural dos alunos nos processos de alfabetização de adultos, ainda na década de 50, e tornou-se conhecido pela aceleração desses processos por meio do método que tinha como um dos seus eixos básicos as palavras geradoras.
        Segundo essa proposta, um primeiro passo no trabalho de alfabetizar adultos deveria ser o levantamento do seu universo vocabular: “Esta investigação dá resultados muito ricos para a equipe de educadores, não só pelas relações que trava, mas pela exuberância da linguagem do povo, às vezes insuspeita” (Freire, 1979, p.73). As palavras a partir das quais o alfabetizando construiria seus conhecimentos de leitura e escrita – as palavras geradoras – seriam selecionadas segundo sua riqueza e dificuldade fonéticas, mas também pelo “aspecto pragmático da palavra, que implica um maior entrosamento da palavra numa determinada realidade social, cultural e política” (ibid., p.74). Nesse sentido, alinhava-se às tendências sociológicas que criticaram a escola por não dialogar com a cultura dos seus educandos: “Lições que falam de Evas e uvas a homens que conhecem poucas Evas e nunca comeram uvas” (Freire, 1980, p.104).
        A importância atribuída à dimensão cultural no seu método também se expressava na denominação do espaço de operacionalização da alfabetização: não salas de aula, mas “círculos de cultura”. Neles, educandos/as e educadores/as relacionar-se-iam segundo o princípio dialógico, que aponta para uma não hierarquização das culturas que ali se encontram.
        O reconhecimento da legitimidade do background cultural do analfabeto não era, para Paulo Freire, uma mera estratégia metodológica. Trazia no seu bojo um modo de lidar com a diferença cultural que se aproxima daquele atualmente proposto por algumas versões da perspectiva multicultural: mais do que um respeito distante e asséptico por essa diferença, mais do que a mera tolerância, enfatiza-se e estimula-se a troca entre os sujeitos das relações pedagógicas. Objetivava também o empowerment/empoderamento desse adulto, mas sempre em um sentido explicitamente ligado à classe social (ibid., p.137).
        Para compreender a especificidade da abordagem cultural em Paulo Freire é ainda importante explorar o conceito de cultura com que opera:
A cultura como o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez. A cultura como resultado de seu trabalho. Do seu esforço criador e recriador [...]. Descobriria que tanto é cultura o boneco de barro feito pelos artistas, seus irmãos do povo, como cultura também é a obra de um grande escultor, de um grande pintor, de um grande músico, ou de um pensador. Que cultura é a poesia dos poetas letrados de seu País, como também a poesia de seu cancioneiro popular. Que cultura é toda criação humana (Freire, 1980, p.109).

        Recusa, portanto, uma concepção tradicional de cultura, restrita ao conjunto de conhecimentos e criações artísticas socialmente valorizados, que já traz, por definição, o demérito das formas culturais divergentes daquelas em posição de hegemonia na sociedade. Contudo, não priorizava as relações entre cultura e identidade, atendo-se com maior ênfase à dimensão de classe social das diferenças culturais que se confrontavam nos espaços de ensino. Numa de suas últimas publicações, o livro Pedagogia da Autonomia (2002), afirma, referindo-se à educação escolar: “A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe dos educandos, cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa progressista, é problema que não pode ser desprezado” (p.56-47).
        Pelo reconhecimento da relevância da dimensão cultural nas relações pedagógicas e pelo método dialógico que propõe implementar nos processos educativos, pode-se considerar que o pensamento de Paulo Freire já adiantava aspectos importantes do que hoje se configura como a perspectiva multicultural na educação.

A perspectiva multicultural

A questão da diferença vai sendo interpretada e trabalhada de forma diferente nessas décadas. E aparece com essa conotação, no meu modo de entender, mais da discussão de diferentes culturas, dentro da escola, a questão da diversidade na sala de aula, na escola...
(professora Ana)


        Em vários textos que publicamos nos últimos anos, procuramos contextualizar e problematizar as noções de inter e multiculturalismo, de forma mais desenvolvida do que seria possível no presente trabalho.
        Vale lembrar, porém, que, para além das diferenças individuais de caráter psicológico e da identidade cultural de classe, a perspectiva intercultural, uma das versões do multiculturalismo, propõe rever a própria noção de identidade unificada e estável, questionando o essencialismo que sustenta essa noção e favorecendo, desse modo, a crítica às diversas formas que o preconceito pode assumir na sala de aula. Opta pelo risco de assumir no cotidiano escolar a tensão entre o ideal da igualdade e as demandas pelo reconhecimento da diferença, que impõe a prática do diálogo radical e permanente:
A interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a esta realidade. Não ignora as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos procurando as estratégias mais adequadas pra enfrentá-los (Candau, 2002c; grifos nossos).

        Os grifos na citação acima têm o objetivo de destacar que essa proposta não rompe com a herança da pedagogia crítica, antes busca ampliá-la e atualizá-la. Giroux (1995) aponta limites dessa perspectiva que corroboram nossa argumentação pela necessidade da sua atualização: para esse autor, faltou passar da linguagem crítica para o que chama de “un lenguaje de possibilidad” (p.51), de realização; além disso, operou freqüentemente com um entendimento mecanicista e determinista da ordem social, paralelo a uma visão liberal e subjetivista da ação humana; por fim, sua crítica foi restrita, mantendo um discurso “individualista, eurocéntrico, androcéntrico y reproductivo” (p.52).
        Mais do que pelas restrições à pedagogia crítica, a perspectiva intercultural avança também por incorporar questões que se colocam pelo contexto de transformações socioculturais que marcaram as últimas décadas do século XX. O fenômeno da globalização – incluindo aqui as inovações tecnológicas que a viabilizaram – traz para o primeiro plano das preocupações político-teóricas a problemática da identidade e da alteridade, que emerge, eventualmente de forma dramática, em função das novas formas de relacionamento econômico e cultural que se colocam para as populações de todo o planeta. Além disso, pode-se pensar a especificidade da perspectiva intercultural também se analisando o contexto mais geral de crise paradigmática. Segundo Marcondes (1996), uma crise de paradigmas é caracterizada por mudanças conceituais e de visão de mundo, devido a uma insatisfação com os modelos vigentes de explicação. Nesse sentido, vivemos na atualidade o ápice da crise do paradigma que havia se imposto a partir da modernidade, consumando um processo de desestabilização que se constrói já de longa data: pelo menos desde a reação romântica alemã do século XIX contra o racionalismo, passando pela crítica de Hegel e de Marx ao conceito a-histórico de consciência e de conhecimento característicos desse paradigma, “transparentes e capazes de dar conta do real” (p.26), assim como pela ruptura nietzcheana com a noção de verdade e de sujeito. Chega-se, desse modo, a um contexto de crise paradigmática ainda mais radical do que aquele que concebeu a perspectiva crítica: sem a previsão de estabelecimento de novos paradigmas, na contemporaneidade, a teoria pedagógica vai ter de pensar a diferença sem o porto seguro da visão essencialista, sem a garantia das certezas do sujeito consciente e do conhecimento objetivo do mundo cartesiano.
        Trazendo para o “chão da escola” textos e contextos dessa crise, ainda com a intenção de esclarecer quanto à especificidade dessa perspectiva, apresentamos exemplos de possíveis contribuições da perspectiva intercultural para o enfrentamento das questões que a diferença coloca no cotidiano das relações pedagógicas na atualidade.
        Barreiros (2005) destaca que as recentes reflexões de Peter McLaren tratam desse dia-a-dia concreto das escolas nessa perspectiva, sem adquirir um cunho prescritivo ou se restringir a questões teóricas de fundo. Entre outros aspectos, chama a atenção para a proposta do autor de problematização da linguagem, cujo poder constitutivo da realidade, em especial no que se refere à construção das identidades sociais, para além da sua função representativa, só recentemente começa a ser considerado nas reflexões do campo educacional. McLaren argumenta que a linguagem “fornece auto definições a partir das quais as pessoas agem, negociam as várias posições do sujeito e assumem um processo de nomear e renomear as relações entre elas próprias, os outros e o mundo” (apud Barreiros, 2005, p.98). Nesse sentido, insiste na concepção de sala de aula como um espaço onde possam se colocar múltiplas narrativas, sem a ilusão da neutralidade lingüística, em “uma visão de multiculturalismo e diferença que avance para além da lógica entre assimilação e resistência” (ibid., p.101). É nesse espaço que propõe articular a afirmação das diversas experiências trazidas pelos alunos para a escola com o combate a qualquer forma de desigualdade, “seja essa desigualdade baseada na posse de propriedade, na posse de credenciais, na persistência do patriarcado ou da homofobia” (ibid., p.100). Para tanto, defende a necessidade de explicitação da etnicidade branca, visando questionar sua pretensão homogeneizadora e o não reconhecimento valorativo de outras culturas, crenças e razões.
        Outra autora que apresenta contribuições interessantes para pensar a questão da diferença na educação é Lacerda (2005), que vai observar como não é usual a referência à identidade deficiente em trabalhos que abordam a temática da diferença e das políticas de reconhecimento. Sem negar as especificidades desse grupo social, propõe “uma maior articulação dos diversos grupos desfavorecidos” (p.132) e discute a possibilidade de construção de um discurso sobre a cultura deficiente, conforme defendido pelo movimento acadêmico estadunidense conhecido como Disability Studies. Segundo essa linha de estudos, o entendimento da dimensão cultural da condição deficiente permitiria vislumbrar “que ser uma pessoa com deficiência (PCD) não é necessariamente ruim, o ruim é ser discriminado, subjugado, barrado nas escolas, nos empregos, pela arquitetura” (p.141). Deriva dessa visão uma bandeira de interesse geral, “plataformas de equivalência lançadas pela particularidade deficiente” (id.): o direito à fragilidade, o direito à doença, o direito ao envelhecimento. Parece-nos que a sala de aula que abraça essa bandeira pode dialogar de forma mais produtiva, por exemplo, com as atuais políticas de inclusão.

Multiculturalismo e pós-modernidade

Eu acho que a questão do multiculturalismo, junto com a dimensão pós-moderna, as coisas se misturaram aí, quer dizer, com uma compreensão que eu acho muito comodista. Agora tudo é assim, tudo pode, e não tem valores, não tem crença, ou cada um que fique com a sua... Isso para mim é um descompromisso com as necessidades, é uma forma de dizer ‘eu não dou conta mesmo das respostas. Então, que a coisa... que flua de qualquer jeito.
(professora Júlia)


        A crítica ao relativismo cultural e a associação entre o pensamento da pós-modernidade e a perspectiva multicultural apareceram na fala de vários/as entrevistados/as, quando indagados/as a respeito dos riscos e limites da incorporação dessa perspectiva na educação. Reconhecemos a pertinência de tais questionamentos, porém pretendemos argumentar, à guisa de conclusão desta discussão, que a exacerbação do relativismo cultural e o rompimento com o horizonte de emancipação são opções políticas e não riscos constitutivos à perspectiva multicultural.
        De fato, esse enfoque, em algumas de suas versões, vale-se de importantes contribuições de pensadores identificados com a pós-modernidade, mas não somente. Em especial na América Latina, a preocupação com a questão cultural antecede significativamente esse contexto: já no início do século XX, no Peru, foram criados Núcleos Escolares Camponeses, com o propósito de oferecer uma educação que reconhecesse as necessidades e as especificidades culturais das populações quéchuas e aimaras que deveriam atender. Essa anterioridade, usualmente pouco mencionada, também constitui um argumento interessante contra a freqüente desqualificação do enfoque cultural no Brasil enquanto modismo importado de outros contextos sociais. Parece-nos mais exato pensar em termos de diálogo do que de enquadramento no pensamento “pós-moderno”.
        Também há que se problematizar a expressão “pensamento da pós-modernidade” – caberia o termo singular? Até certo ponto, alguns traços em comum da reflexão teórica de pensadores das últimas décadas do século XX permitem essa generalização:
Falando de uma forma ampla, a crítica pós-moderna caracteriza-se por uma rejeição ou uma denúncia das fundações epistêmicas do modernismo ou metanarrativas, ou ainda, da destituição da autoridade da ciência positivista que essencializa as diferenças entre o que parecem ser identidades autoconstituídas; também um ataque à noção de um objetivo unificado para a história e a desconstrução da magnífica fraude iluminista do ego autocontido, estável e autônomo que supostamente seria capaz de agir independentemente de sua própria história, suas próprias cadeias de construção de significado, situação cultural e lingüística e sua inscrição em discursos de gênero, classe, raça, entre outros. (McLaren, 1997, p.61)

        Mas é esse mesmo autor quem pondera essa descrição, apresentando uma primeira divisão nessa linha de pensamento: propõe diferenciar o “pós-modernismo de resistência ou crítico”, que defende, do que seria um “pós-modernismo lúdico” (ibid., p.67), abordagens que trabalham com as questões acima, sem comprometimento com a transformação social. Cita, nesse mesmo sentido, os termos “pós-modernismo espectral”, proposto por Scott Lash, e “pós-modernismo cético”, de Pauline Marie Rosenau, aos quais podemos acrescentar “pós-modernismo apocalíptico”, construção de Chantal Mouffe (1996) ou “pós-modernismo celebratório”, de Boaventura de Sousa Santos 2004). Tais formulações parecem um indicativo forte do reconhecimento de divisões nesse pensamento: enquanto as linhas referidas como lúdica/espectral/cética/apocalíptica/celebratória se remetem explicitamente a um amplo relativismo político e epistemológico,

O pós-modernismo de resistência traz à crítica lúdica uma forma de intervenção materialista, uma vez que não está somente embasado em uma teoria textual da diferença, mas em vez disso, em uma teoria que é social e histórica. Desta maneira a crítica pós-moderna pode servir como uma crítica intervencionista e transformadora da cultura (McLaren, 1997, p.68).

        O questionamento da pretensão de universalidade dos valores e saberes tradicionalmente veiculados por nossas escolas não precisa implicar a tolerância com o intolerável. Lembramos, contudo, que as fronteiras do tolerável não estão dadas a priori: devem ser negociadas e renegociadas, com base em princípios democráticos radicais, como impõe a perspectiva multi/intercultural aqui tratada.
        Além disso, é importante destacar que as denominações multi e interculturalismo abrigam uma diversidade de tendências, algumas das quais poderão também justificar a resistência a essa proposta por parte de alguns educadores. Vários autores vêm organizando mapeamentos dessas tendências5 , que incluem posições conservadoras de várias matizes, chegando mesmo ao radicalismo guetificador e separatista. É ainda McLaren quem define quatro linhas básicas dentro do multiculturalismo: conservador, humanista liberal, liberal de esquerda, crítico/revolucionário. Identificando-se com este último, destaca que:

A perspectiva que estou chamando de multiculturalismo crítico compreende a representação de raça, classe e gênero como o resultado de lutas sociais mais amplas sobre signos e significações e, neste sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e o deslocamento metafórico como forma de resistência (como no caso do multiculturalismo liberal de esquerda), mas enfatiza a tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e institucionais nas quais os significados são gerados (ibid., p.123).

        Nesse enfoque, próximo ao discutido neste trabalho, o compromisso político assumido inviabiliza o descompromisso do relativismo sem limites. O prefixo “inter” que propomos incorporar, com base nas formulações de Abdallah-Pretceille (2001), enfatiza a postura dialógica que situa essa proposta para além da esfera da tolerância, buscando favorecer as trocas entre os sujeitos das diferentes culturas que se cruzam nos espaços escolares, ao mesmo tempo em que recusa os processos de categorização que negam a complexidade e a provisoriedade dessas identidades culturais, hierarquizando-as e/ou folclorizando-as.
        A perspectiva intercultural na educação, portanto, pretende superar as construções da visão didático-psicológica relativamente à diferença, sem negar suas contribuições. Por outro lado, procura manter um diálogo crítico com as contribuições das diversas correntes do pensamento da pós-modernidade, assumindo uma perspectiva em que se afirma o compromisso com a transformação política e social, proposto pela pedagogia crítica, ao mesmo tempo que se evidencia a importância das questões culturais, superando uma visão em que as diferenças são vistas como algo “natural” e concebendo-as como construções sócio-históricas que se dão nas relações sociais.
        Considerando que as questões da diferença referidas ao corpo discente tornam-se cada vez mais uma realidade nos diferentes níveis de ensino, inclusive no ensino superior, nos pareceu oportuno discutir também neste trabalho aspectos relativos á pesquisa que recentemente concluímos, realizada em uma instituição universitária do Rio de Janeiro, com base na perspectiva acima apresentada.

A diferença na universidade ainda é mais um esbarrão do que um encontro 6

        Esta frase, presente num depoimento de uma universitária entrevistada na pesquisa que concluímos recentemente sobre Universidade, Diversidade Cultural e Formação de Professores (Candau, 2003a), expressa de modo contundente uma realidade que é particularmente desafiante hoje nas nossas universidades. Referindo-se à dificuldade de se lidar com a diferença e à relação entre sujeitos de origens socioculturais diversas, a universitária assim se expressou:

São culturas tão diferentes que esses grupos não conseguem se encontrar. Acaba sendo um grande esbarrão. Eu acho que é isso assim. A coisa da diferença na universidade ainda é mais um esbarrão do que um encontro. Acho que as diferenças ainda não se encontram. Acho que as diferenças se esbarram e se estranham.

        O foco da nossa reflexão está orientado a identificar os desafios que a incorporação de novos atores socioculturais provoca para a cultura universitária na perspectiva intercultural.
        Partimos da afirmação de que o debate sobre as políticas de ação afirmativa e, mais concretamente, sobre a política de cotas nas universidades, tem se concentrado em temas relativos a sua legitimidade do ponto de vista jurídico-institucional e social, nas modalidades de acesso, assim como em medidas orientadas a garantir a permanência dos novos atores na universidade: de caráter material, como vale-transporte, vale-refeição, auxílio-moradia, entre outras, ou de caráter acadêmico, como acesso à biblioteca, laboratório de informática, grupos de pesquisa etc.
        No entanto, nos atrevemos a afirmar que predomina uma visão que, na perspectiva do multiculturalismo, pode ser definida como assimilacionista. Para McLaren (1997, p.115), neste enfoque, “um pré-requisito para juntar-se à turma, é desnudar-se, desracializar-se e despir-se de sua própria cultura”. O fundamental é adquirir os referentes da cultura universitária tal como está configurada, reconhecida e valorizada. Portanto, trata-se de promover práticas compensatórias, neste caso no próprio contexto universitário, que permitam uma plena inserção dos novos atores no seu mundo e nos seus padrões de referência tal como estão configurados. A dinâmica universitária, os currículos oferecidos, as práticas pedagógicas e acadêmicas, as relações entre os diferentes atores, entre outros aspectos, são em si mesmos considerados bons e adequados, não sendo, portanto, objeto de questionamento.
        Para superar esta perspectiva, um aspecto que para nós é fundamental consiste em penetrar na ótica dos “outros”, desses novos atores, oriundos das camadas populares, em sua grande maioria afrodescendentes e tendo cursado escolas públicas e pré-vestibulares comunitários. Supõe colocar em questão o etnocentrismo presente nas relações sociais e culturais, também no mundo universitário.
        Como se situam estes novos atores na experiência universitária? Que representações têm de sua realidade? Que desafios enfrentam? Como se sentem vistos por colegas e professores/as? Que expectativas têm?
        Procuraremos oferecer elementos para a reflexão e o debate, tendo por base alguns dados da pesquisa acima mencionada, desenvolvida no período de 2000 a 2003, com o apoio do CNPq e da FAPERJ.

O contexto da pesquisa de campo

        A pesquisa foi realizada em uma universidade comunitária, sem fins lucrativos, reconhecida nacionalmente pela sua qualidade acadêmica e científica e considerada de elite social. Essa instituição vem desenvolvendo, desde 1994, um programa de ação afirmativa com o objetivo de favorecer o acesso de estudantes de camadas populares aos seus cursos de graduação, a maioria dos quais são afrodescendentes. Esses alunos e alunas, uma vez aprovados/as nos exames vestibulares, candidatam-se a uma bolsa de “ação social”, bolsas integrais não reembolsáveis que garantem a gratuidade na universidade. Também podem aceder a outros apoios orientados a garantir alimentação, transporte, moradia e demais condições materiais necessárias à vida universitária dos alunos/as de baixa renda.
        Com esta política, o perfil do alunado vem mudando significativamente. De uma universidade considerada para uma elite sócio-econômica, para jovens de classes média e alta, brancos/as, oriundos/as das melhores escolas da zona sul do Rio de Janeiro, moradores/as de bairros de elevado nível sócio-econômico e que ingressaram diretamente na universidade, em geral sem passar por cursos pré-vestibulares, passou a ter um corpo discente bastante diversificado do ponto de vista sócio-econômico e étnico.
        Essa nova configuração do perfil do seu corpo discente vem provocando discussões acaloradas e conflitos em sala de aula e outros espaços universitários, suscitando novos desafios para a universidade como um todo e sendo vista por alguns grupos de professores/as e alunos/as como uma “ameaça à sua qualidade”.
        A pesquisa se desenvolveu durante três anos de intenso trabalho em que, junto ao permanente levantamento bibliográfico sobre o tema, realizamos uma análise documental referida à universidade em geral e às propostas curriculares dos cursos analisados – História, Letras e Pedagogia, assim como entrevistas com professores/as e alunos/as dos referidos cursos, além de uma observação participante de diferentes atividades e âmbitos do campus. As entrevistas foram, em alguns casos, individuais, em outros, em duplas e, também, de caráter coletivo, através de grupos focais.
        Os grupos focais constituem uma técnica de entrevista coletiva. Essa modalidade de entrevista não é nova. No entanto, na área de educação ainda é pouco freqüente a sua utilização, particularmente entre nós.
        Convém ressaltar que nem toda entrevista coletiva pode ser considerada como um grupo focal. Por outro lado, não existe uma única concepção dos grupos focais, podendo variar de definições muito formais e restritas, para outras extremamente abertas.
        Para Krueger (1994), o grupo focal é “uma técnica de entrevista, direcionada a um grupo que é selecionado pelo pesquisador a partir de determinadas características identitárias, visando obter informações qualitativas”.
        Nesse sentido, é possível afirmar que suas principais características são: uma intencionalidade clara, um foco definido e a constituição de um grupo selecionado a partir de alguma(s) característica(s) comum(ns), não sendo portanto um grupo espontaneamente formado. O número de grupos focais a serem constituídos, assim como o número de participantes em cada um deles, é definido no desenvolvimento do próprio trabalho e segundo as necessidades detectadas pela equipe da pesquisa.
        Foram realizados quatro grupos focais, de aproximadamente duas horas cada um, dois com estudantes oriundos/as dos pré-vestibulares comunitários e outros dois com alunos/as residentes na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, que estudaram em colégios de prestígio acadêmico e social situados nesta área geográfica.
        No presente trabalho, nos centraremos em alguns aspectos que emergiram dos grupos focais realizados com alunos oriundos dos pré-vestibulares comunitários e, em geral, afro-descendentes, por consideramos que representam esses novos atores presentes no cenário da nossa vida universitária.

O estranhamento e o choque cultural: experiências recorrentes

        Como se situam na universidade os/as alunos/as oriundos/as de pré-vestibulares comunitários? Como se relacionam os universos de origem desses/as estudantes e o da universidade?

Foi bastante recorrente nos depoimentos a afirmação:

A primeira questão quando a gente entra [...], é que o espaço social é absolutamente diferente! E se inserir na universidade é muito difícil!

ou

É totalmente diferente! É outro universo!

Quais as diferenças que são identificadas desde o primeiro momento?

Quando você vem..., vem ressabiado, receoso, porque você é pobre, negro, e chega lá o pessoal vai.....

Mas esse impacto é visto sendo de mão dupla:

Eu acho que foi mais espanto mesmo, eles por não saberem que vinham para... um lugar de elite e iam encontrar pessoas de baixo poder aquisitivo, mas a gente já sabia o que estava nos esperando, mas a gente já vinha assim com um pé atrás.

Alguém complementa:

Tem colegas que estão aqui, que se formam aos 24 anos, com inglês fluente, francês fluente etc. etc.! A gente chega, às vezes, na universidade aos 25, 26, 27 ou 35 anos, com toda a história de escola pública que a gente tem, e isso aqui se choca! Aquilo que a gente aprende, que é ensinado na escola pública, é completamente diferente do que é ensinado na escola particular! E aqui esses dois universos estão se confrontando!


        Alguns/mas vêem essas diferenças como positivas, enriquecedoras, o que é possível perceber em depoimentos como:

Eu acho que essa diversidade é positiva sim, [...] é positivo porque se torna claro o que é a sociedade! Eu acho que aqui na universidade a gente consegue perceber numa coisa pequena, que não é tão pequena assim, o que é a sociedade como um todo!


        Outro elemento importante de ser ressaltado é que a convivência com o diferente (quem são os diferentes?), para alguns estudantes é vista como ocasião de ampliar a percepção da própria sociedade e do próprio ambiente de origem:

Eu estou dizendo a sociedade como um todo, onde a divisão das classes econômicas é muito clara! E isso aqui na universidade é muito claro! Eu não sei, isso é positivo para mim, para eu poder detectar isso e perceber como a gente vai estar trabalhando com isso dentro da universidade! Isso é positivo para a gente que vem de movimento social, a gente que vem de pré-comunitário etc. Isso é interessante para a gente perceber que aquilo que se dá aqui dentro, se dá lá onde a gente está, só que a gente não consegue perceber tão claramente como a gente consegue perceber aqui! Porque o outro lado não está lá onde a gente está!


        Os/as estudantes vão percebendo essa realidade, ora porque se sentem estrangeiros/as nesse novo lugar, ora porque, tentando se adaptar, vão se tornando estrangeiros/as em sua própria comunidade. Uma aluna comenta a reação dos amigos/as às mudanças que ela vem sofrendo por estar na universidade:

Você fica se desconhecendo dos dois lados! Eu tenho um contato por conta da minha religião, todo domingo à tarde, eu tenho um contato com as pessoas de onde eu moro, e outro dia eu estava conversando com eles um assunto, e a pessoa que estava do meu lado falou: Cuidado com o que você está falando, porque você está usando palavras muito difíceis! E quando eu chego aqui eu já acho que as palavras que eu uso, já são mais fracas, aí fica nos dois mundos, é complicado isso!


        A questão do estranhamento e do “esbarramento” foi muito recorrente nos depoimentos dos participantes dos grupos focais. Como lidar com esta realidade se evidenciou como uma problemática muito presente na experiência desses alunos/as. O mundo universitário é vivenciado como hostil, monocultural e negador de padrões culturais de camadas populares e de origem negra. O choque cultural produz receio, sensação de incompetência e insegurança. Os comportamentos e habilidades que se está acostumado a utilizar no contexto de origem não são vistos como adequadas e pertinentes ao novo cenário. O choque cultural pode ser descrito como “espanto”, “pé atrás”, “confronto”, incerteza, perda de sentido e perplexidade, onde o componente emocional se faz presente com força. Em geral, trata-se de uma experiência dolorosa e desafiante, que pode provocar fechamento, cristalização de posições e visões, mas também pode ser ocasião de ampliação do auto-conhecimento, do horizonte e visão da realidade e do projeto de vida.
        Um elemento importante a ser destacado é que a dinâmica universitária ignora esta realidade, que em geral é vivida em solitário ou compartilhada em grupos de caráter informal, não havendo uma preocupação institucional de propiciar espaços para que possa ser trabalhada adequadamente.

A tendência a afirmar-se nos “iguais” e à demarcação espacial

        Essa é uma tendência que também aflorou com força entre os/as entrevistados/as. Nos dois grupos focais, ficou evidenciada. Afirmaram:

Eu procuro as pessoas com as quais tenho mais afinidade... Eu, realmente, quando busco o meu grupo, [...] normalmente, eu procuro as pessoas com as quais eu tenho mais afinidades, seja de pensamento ou outras.

        Em geral, os depoimentos tenderam a identificar dois grupos, “nós” e os “outros”. Estes foram algumas vezes descritos genericamente como patricinhas e mauricinhos, alunos e alunas residentes da zona sul da cidade, de elevado poder aquisitivo, cujos pais e, às vezes, os avós também freqüentaram a mesma universidade, com fortes componentes da cultura do consumo, inclusive no âmbito cultural. Mas é possível perceber também que, dependendo do curso ou dependendo da turma, o encontro entre os dois grupos se fez possível, pelo menos em determinadas ocasiões:

Meu grupo, agora no sábado, no final de semana, a gente foi fazer um trabalho com a menina que mora em Bangu, e a menina que mora na Barra foi, a que mora no Humaitá foi, a que mora na Rocinha foi.


        Mas não é o mais comum. Em geral, as relações entre os grupos, quando acontecem, se restringem ao ambiente universitário.

Na minha turma não tem nenhuma [relação] [...], até as meninas mesmo é só na universidade! A gente se encontra aqui, durante a semana, aí chega final de semana é cada um para a sua casa, e tudo bem.


        No entanto, também na sala de aula a interação não flui de modo espontâneo:

A divisão é clara, eu vejo claramente quando você entra na sala, e ela sabe disso, a outra também, e a gente sente quando a gente entra na sala, as caras e bocas! Você percebe! Você vai andando, e nego te olhando de cima a baixo, vai fazendo aquelas caras, aquelas bocas, quando você fala, eles olham para o canto e todo mundo começa a cochichar; E a gente entra na sala, aí eles falam assim, tem o grupo do canto, perto da janela e o pessoal que senta no canto da porta. Eu fico no meio! O pessoal que é bolsista senta perto da janela e quem não é, perto da porta.


        Essa realidade foi a que teve maior presença nos depoimentos dos/as participantes dos grupos focais. No entanto, também foram mencionadas algumas exceções, relacionadas a situações onde existe maior homogeneidade entre os estudantes:

Eu acho que eu entrei numa turma, que eu me identifico muito com ela, não são pessoas muito diferentes de mim, são pessoas super legais, todo mundo é amigo, todo mundo conversa, pelo menos aparentemente!


        Indagamos sobre a atuação do professor/a. Como era vista sua presença e identificado seu modo de interferir e trabalhar a dinâmica da sala de aula, na perspectiva de favorecer uma maior interação entre os diferentes grupos. No entanto, essa questão foi silenciada pelos/as entrevistados/as. Não foi possível identificar em suas representações uma preocupação explícita dos docentes com esta questão, nem o emprego de estratégias pedagógicas que favorecessem a comunicação intercultural. No entanto, é importante ter presente que a interculturalidade não se dá de modo espontâneo e “natural”. Requer ocasiões que conscientemente a valorizem e promovam de modo explícito o diálogo entre os diferentes grupos socioculturais. São as tensões e conflitos que afloram freqüentemente no cotidiano da universidade, os incidentes críticos, que, trabalhados pedagogicamente, oferecem ocasião para que se incentive a comunicação intercultural.
        Sobre os diferentes espaços da universidade, aparecem delimitações como: “existe o lugar de consumo e o lugar das trocas de idéias”. Nesse caso, os/as entrevistados/as preferem freqüentar alguns bares, os espaços dos centros acadêmicos e diretórios, o grupo da Consciência Negra:

Um espaço de convivência, e que eu acho que é mais de discussão, é o grupo de Consciência Negra, a discussão é de igual para igual.
O bar dos (...) e nos diretórios, eu pelo menos olho as pessoas de uma forma mais clara, mais tranqüila, mais harmônica, então isso me deixa muito mais em paz, eu me sinto muito mais envolvida nos lugares assim.


        Convém salientar que os espaços em que parece haver maior diálogo e interação entre os diferentes grupos, são os de livre escolha, especialmente os relativos às associações estudantis. Neles, as diferenças interagem tendo como referência uma motivação comum, mas, mesmo assim, a tensão pode aflorar em circunstâncias aparentemente de pouca relevância:

Eu acho que tem uma coisa muito engraçada, que é a questão do se esforçar para se aproximar! Por exemplo, [...] [nos] diretórios, ali dá para a gente se mesclar bastante, só que tem certos momentos que as coisas batem, assim, quando a gente vai discutir um espaço para fazer a reunião da Consciência Negra. Daí rola umas paradas assim, de não ter horário, assim, e aí? Como que se discute isso? Há momentos em que essa coisa se mostra! E aí a gente vê que não tem realmente.


        Uma vez mais emerge a dificuldade da interação entre os ‘diferentes’ e a necessidade de que esta questão não fique ao sabor exclusivamente das relações informais e sim seja sistematicamente trabalhada no âmbito da universidade.

A questão da discriminação

        Poderíamos pensar que, como é inerente à cultura universitária o pluralismo, a tolerância e o reconhecimento de diversas posições científicas e ideológicas, haveria neste cenário uma radical incompatibilidade com atitudes preconceituosas e comportamentos discriminadores. Essa não é a experiência dos nossos entrevistados e entrevistadas. A vivência da discriminação é parte do seu cotidiano na universidade, assumindo em alguns casos caráter explícito e fortemente excludente. Muitas são suas manifestações apresentadas nos diferentes depoimentos. Nossos/as entrevistados/as falam abertamente das situações em que se sentem discriminados/as e por quem. Começam por se referir ao primeiro dia de aula, que ainda está forte em sua memória:

No primeiro dia de aula, primeira semana, que foi a apresentação do grupo que estava começando o primeiro período, então houve logo uma segregação, quem são as pessoas. Foi engraçado, que estava todo mundo sentando em roda, e no primeiro dia que falaram: eu vim de pré-vestibular para negros e carentes, eu vim da Baixada Fluminense, e tal. Aí eu comecei a perceber o espanto das pessoas! Porque eu era bolsista! Aí depois deu um intervalo, quando voltamos, umas pessoas foram para um lado e as outras para o outro.

        No entanto, para os/as estudantes entrevistados/as é o/a professor/a o/a principal agente de discriminação:

Olha, eu já tive problema com isso, mas com o professor! Não com aluno, quer dizer, a forma como ele passou as coisas para mim, eu me senti discriminado.
Eu já presenciei uma professora que falou que o rendimento da turma está caindo por causa da entrada desses alunos provenientes de pré-vestibular para negros e carentes! Absurdo! Tipo assim, uma deficiência, até isso: “A [universidade] está selecionando mal esses alunos”. Como se estivesse deixando entrar muito bolsista e desse um desnível intelectual, e são pessoas com quem não dá para ter diálogo, porque você fala: o que é isso professora? Não! É isso mesmo! E parece que tem uma raiva! Sabe, e carrega o negócio com tanta..
.


        Aflora, um alguns casos, um sentimento nos estudantes que parece ser provocado pela vivência da discriminação: a vergonha. Eis as palavras de uma entrevistada:

Eles têm vergonha de dizerem que são oriundos de pré-vestibular! Eu não tenho!


        Foram também explicitadas outras manifestações da discriminação. Um aluno negro relatou como foi excluído de uma possibilidade de estágio sob a alegação de que sua idade não era adequada, e, ainda em relação aos estágios curriculares, vários foram os relatos de falta de igualdade de oportunidades para realizá-los em determinadas instituições, em geral de reconhecido prestígio pedagógico e/ou social. Descrições de relatos de discriminação de colegas apareceram igualmente nos depoimentos: “o curso (...) está horrível! Só tem bolsista!” foi uma das expressões utilizada por uma aluna da mesma turma de um/a dos/as entrevistados/as.
        Quanto aos/às funcionários/as administrativos/as, a experiência é outra:

A minha relação com funcionário, eu acho que é a melhor possível! Porque eu acho que a relação é quase igual! É, eles são pobres! Eles sofrem igual a gente!


        Por fim, nossos/as entrevistados/as afirmaram que as relações internas na universidade têm relação direta com o papel que ela tem ou pretende ter frente ao mercado de trabalho e a sociedade:

Você vai para as palestras sobre empregabilidade, estágio nas empresas, o perfil de profissional que eles querem é: formado com 24 anos, inglês fluente, e experiência no exterior! [...]
E aí a gente estava até discutindo que papel a universidade está tendo? Se é de fato para preparar máquina para o mercado de trabalho, está correto! É nessa linha que nós vamos? Mas se é para preparar homens para a sociedade, até onde a gente está preparando, se a gente não consegue trabalhar isso dentro da própria universidade? Trabalhar com a questão da diversidade.


        Ficou muito evidente nos depoimentos que o preconceito e a discriminação estão presentes nas relações entre diferentes atores universitários, assim como nas dinâmicas institucionais. A dificuldade de se trabalhar o preconceito racial e social está ancorada na existência de um senso comum que, em geral, não reconhece a presença do preconceito e do racismo entre nós. E, quando admite esta realidade, sempre a situa nos outros. Encontra-se também bastante difundida a posição de que é melhor não problematizar o tema, pois assim poderíamos estar estimulando posturas preconceituosas e racistas. Segundo Kalangele Munanga (1996, p.215),:

O racismo brasileiro, na sua estratégia, age sem demonstrar a sua rigidez, não aparece à luz, é ambíguo, meloso, pegajoso mas altamente eficiente em seus objetivos. Essa ideologia é difundida no tecido social como um todo e influencia o comportamento de todos, de todas as camadas sociais e, até mesmo, as próprias vítimas da discriminação racial. Discutir a questão da pluralidade étnica e, em especial da sua representação nas instituições públicas, e nas demais instituições do país, ainda é visto como um tabu na cabeça de muitas pessoas, pois é contraditória à idéia de que somos um país de democracia racial.

        Se o silêncio e a naturalização do preconceito e da discriminação social e étnica estão presentes na sociedade como um todo, na universidade os processos de discriminação e racismo são negados e não discutidos e trabalhados.

A leitura e a escrita: um problema central

        Essa temática surgiu entre nossos/as estudantes durante a discussão promovida nos grupos focais com muita força: a linguagem no contexto universitário, o domínio da norma culta e dos padrões acadêmicos.
        Os enfoques nos dois grupos variaram um pouco: em um deles esteve mais forte a discussão sobre as estratégias compensatórias promovidas pela universidade para dar conta dos alunos/as que demonstram deficiências quanto à expressão escrita de suas idéias. Seriam essas estratégias benéficas ou, na verdade, mais um instrumento de discriminação e preconceito? No outro grupo, a discussão foi mais fluida.
        Entrar para um curso universitário é, para muitos estudantes, adentrar um novo mundo com seus códigos específicos, sua linguagem própria. À pergunta da moderadora sobre a diferença entre os espaços sociais vividos pelos/as alunos/as dentro e fora da universidade, um/a estudante respondeu:

No vocabulário das pessoas. Você vê que o contexto aqui na universidade exige um vocabulário mais rico, adequado, formal, acadêmico, e é uma coisa que você não vem preparada muito para isso!

        Por outro lado, convém assinalar que a linguagem não é só a fala ou a escrita, ela se expressa também através de outras manifestações, como, por exemplo, pelo modo de vestir. A fala, a escrita, a roupa, os traços étnicos podem “dar a perceber que ela/e não é realmente para estar ali naquele ambiente!”. Assim, esses/as estudantes vão se sentindo estrangeiros/as. E mais que isso: vão se sentindo discriminados/as. E também por aquele/a de quem, em tese, se esperava uma atitude bem diferente. Não são poucas, conforme já relatamos, as referências a atitudes e comportamentos dos/as professores/as, nos dois grupos focais, que reforçam uma visão negativa dos/as alunos/as oriundos/as dos pré-vestibulares comunitários:

A questão é que é muito mais difícil do que você enfrentar o outro grupo, porque esse é o igual, enfrentar o professor! Ultimamente, eu tenho visto muito professor falar assim: “O pessoal que vem do pré não lê muito. O pessoal que vem do pré não se interessa. O pessoal que vem do pré não procura alternativas”. E é uma coisa que você vê, que apesar de você saber que muitos dos seus colegas, mesmo ricos e tal, não lêem também, que têm os mesmos hábitos que você e tal, não são estigmatizados, não são tachados disso ou daquilo! E quando vem do professor, é uma coisa complicada.

        E é o/a professor/a quem reaparece como fundamental quando discutem algumas estratégias já existentes. Uma delas é a criação de uma disciplina específica para lidar com o texto acadêmico. Outra que aparece é a de recorrer a um espaço específico, não curricular, em que as habilidades necessárias à produção de textos acadêmicos são trabalhadas. Em relação a essa alternativa, as posições são divergentes. Para uns/umas, se apresenta como positiva:
Eu cheguei a um professor falei para ele: “Eu estou com uma dificuldade enorme, os professores estão reclamando das minhas redações”. E aí ele falou assim: “Olha... eu não sei... mas tem uma pessoa que está abrindo uma turma no...” Isso tem dois anos, foi no primeiro período que eu estava. Eu fui para essa pessoa, cheguei lá e ela fez um teste comigo assim: eu lia essa entrevista e dizia o que eu tinha entendido dessa entrevista. Falando é ótimo! Aí, ela pediu para eu escrever. Ela chegou para mim e falou: “É... quando você escreve, parece que você não entendeu nada do que você falou”. Aí, começou isso a ser divulgado. Eu falei para as pessoas que lá era muito legal.

Eu acho que as pessoas tinham algum preconceito de alguém mandar você ir no... como quem diz: “vai lá porque você tem deficiência”. Pode ter havido realmente com vocês, não sei, agora lá não é lugar de deficiente, pelo contrário: lá, a gente cresce.

        No outro grupo focal, os/as estudantes questionaram essa dificuldade como própria dos/as alunos oriundos dos pré-comunitários. Uma estudante conta como respondeu a um professor que pedia aos bolsistas que fossem ao Departamento de Letras e fizessem um “curso para melhorar a escrita”:

O senhor é professor da [universidade] há muito tempo e sabe que o vestibular dela é considerado um vestibular difícil! O bolsista quando entra, faz prova de português, prova de literatura e prova – pasmem – de redação! Então o cara não pode ser analfabeto! Ou então está havendo alguma deficiência no sistema de vestibular [...] Eu acredito [...] que esse problema da deficiência na escrita, até pessoas que não são bolsistas têm! Isso não é característica do bolsista!

        Também procuramos saber desses/as estudantes o que eles/as dizem de suas experiências com a leitura e a escrita fora da universidade, num momento inicial da entrevista, que serve principalmente para relaxar o grupo antes de começarem as perguntas mais centrais.
        Encontramos falas como:

Eu sempre sonhei em fazer Letras, porque eu gostava muito de escrever poesia e leitura também.


        Quando a moderadora perguntou “o que você mais gosta de fazer?”, não foram incomuns declarações como:

Ler! O que vem na mão eu acabo lendo, mas eu me direciono muito para a área de psicologia e política!
Entrar numa livraria, se eu entro, eu saio com um livro, pelo menos um, não leio ele todo, não dá tempo às vezes, mas eu adoro entrar na livraria.
Eu gosto muito de aconselhar, eu escrevo muito para as pessoas, e eu acho que deve ser assim uma coisa de entrar na vida das pessoas, sair escrevendo, e de repente as pessoas: Nossa! Como que você adivinhou! Eu escrevo muito para as pessoas informalmente.


        Experiências de leitura e escrita não parecem ser tão escassas. Poderíamos, portanto, indagar por que essas experiências não são reconhecidas e por que a perspectiva de tomar a realidade do/a aluno/a como ponto de partida parece não estar sendo levada em conta de modo significativo nas estratégias que estão sendo em geral utilizadas para enfrentar esta questão. Que outras alternativas poderiam ser construídas?
        Essa é uma questão que desperta muita polêmica no âmbito universitário e tem sido detectada em diferentes pesquisas, como a realizada por Dauster (2002), intitulada A invenção do leitor acadêmico-universitários, leituras e diferenças culturais.

Expectativas e Propostas

        Uma das preocupações da pesquisa realizada estava orientada para buscar indícios de possíveis alternativas para a superação dos problemas apontados pelos/as entrevistados/as. Desse modo, uma das questões levantadas nos dois grupos focalizava possíveis propostas no sentido de se trabalharem questões relativas às diferenças culturais na universidade.
        Ficou evidente nas respostas que essa é uma questão difícil, mesmo para quem sofre muitas vezes na pele o peso da discriminação e do preconceito. No entanto, algumas indicações foram enfatizadas:

A universidade está tratando esses temas, mas não basta simplesmente colocar as pessoas aqui e deixá-las! Não! Tem de dar subsídios para a pessoa continuar! E esclarecer!

Como ela falou, eu acho que tem que partir do corpo docente principalmente, porque é o meio que você vai chegar mais próximo dos alunos, porque quem está tendo contato direto com os alunos são os professores!

Eu, também vou para esse lado da reciclagem dos professores [...] como um todo, lógico, é muito mais difícil, mas eu acho que tem que começar por aí! Eu acho que o professor tem que internalizar essa causa da diversidade e achar que realmente deva ser implantado, ter mais debates, ter mais atividades ligadas a isso, eu acho que atividade mesmo, não só a teoria, porque às vezes a gente fica só na leitura!


Propõem também apoios concretos:


Eu acho que a [universidade] tem muitos espaços, que poderia aproveitar melhor todo esse pessoal que vem dos pres. Uma das coisas que eu acho que é viável são as áreas de pesquisas, porque você estimula o aluno e o aluno também acaba se beneficiando também por isso, porque geralmente o aluno que entra na pesquisa, ele é forçado, ele é levado a estudar! Não tem jeito, ele tem que fazer! Mas ele também tem um incentivo que é uma bolsa x, seja do CNPq, seja de onde for!


        E sugerem mais oportunidades de troca e de conhecimento mútuo, o que exige situar-se de outra maneira diante da questão da diferença:

Visita, saber a realidade do outro, que não é tão assim, eu acho que a gente tem que... porque a situação fica meio difícil mesmo, tem o medo, tem a vergonha, mas eu acho que a gente realmente tem que mostrar a nossa cara também! Falar: realmente, eu sou pobre, não tenho condições de poder ter as mesmas condições que você, de poder sair ali, mas eu tenho que viver a minha vida, a minha vida também é legal tem o conhecimento que eu trago! Eu acho que é isso! Tem que ser essa troca! É um pouco difícil, porque a gente fica às vezes só batendo neles e eles batendo na gente! A gente não consegue enxergar o lado deles e eles não conseguem enxergar o lado da gente! Então eu acho que cada um tem que ter um olhar diferente e começar a mudar na consciência de cada um!

        Foi feita a proposta de que “cada departamento tinha que assumir os seus alunos!”. Mas, o que seria esse assumir?

Por exemplo, o departamento tem que saber que alunos são esses que vem dos prés, e qual é a realidade de cada um! Nossos alunos são esses, entre esses, tem esse, esse e esse aqui que estão nessa situação crítica e a gente tem que fazer alguma coisa no departamento!
Eu acho que cada departamento deveria assumir os seus alunos, porque se o departamento começa a ficar mais próximo dos seus alunos, muitos problemas que crescem, poderiam ser diminuídos! E eu acho que isso é a nível prático! Uma outra coisa que eu vejo também é do pessoal conseguir se enxergar mais, olhar no olho! Eu tenho um problema assim, eu sou teu amigo, hoje eu consegui o texto, vamos ler juntos, essa coisa dessa reciprocidade entre nós vale também.

        Ficam sugeridos vários aspectos a serem considerados na perspectiva de se superar uma visão meramente descritiva das diferenças socioculturais, para que se possa assumi-las como um projeto político-pedagógico mobilizador de uma cultura acadêmica assentada em uma visão histórico-crítica do conhecimento e da função da universidade, e potencializadora das relações interculturais.

Universidade e educação intercultural

        Afirmamos no contexto da pesquisa realizada (Candau, 2003c) que a idéia de universidade nos remete à de unidade na pluralidade de atores, saberes, valores e práticas. Sendo assim, a diversidade, e não uma abordagem monocultural é inerente à concepção de universidade.
        Nessa perspectiva, a promoção de uma educação intercultural é uma exigência fundamental. Exigirá uma política sistemática e um compromisso de todos os atores orientados a problematizar a visão monocultural presente nas concepções de ciência e conhecimento que informam a cultura acadêmica, articular igualdade e diferença, combater as expressões de discriminação e preconceito presentes no dia-a-dia da vida universitária, promover experiências de interação sistemática entre os/as estudantes oriundos/as de diferentes grupos socioculturais, combatendo as formas de segregação social e étnica, desenvolvendo práticas educativas diversificadas com apoio em diferentes linguagens, articulando medidas orientadas a favorecer as condições materiais adequadas ao desenvolvimento das atividades acadêmicas por parte de todos/as os/as alunos e alunas e, ao mesmo tempo, trabalhando para oferecer aos/às diferentes alunos/as o acesso a grupos de pesquisa, participação em seminários, congressos etc., assim como promovendo processos de empoderamento orientados aos grupos sociais que historicamente têm tido menos possibilidades de participar e contribuir positivamente ao desenvolvimento da vida universitária.
        A partir da pesquisa realizada, podemos afirmar que a presença de um grupo numericamente significativo de novos atores nos cursos, salas de aula, atividades formais e informais e nos diversos espaços e âmbitos da universidade traz para a vida universitária uma realidade ao mesmo tempo enriquecedora e desafiante.
        Consideramos que o desafio é superar a tendência a uma visão meramente compensatória e assimilacionista e passar a enfatizar um projeto institucional que incorpore a opção intercultural em toda a sua complexidade, favoreça um debate interno intenso sobre as implicações desta perspectiva e defina ações concretas na perspectiva da promoção de uma dinâmica orientada a desenvolver processos de educação intercultural.
        Concluímos este artigo com o depoimento de uma estudante negra, que ingressou na universidade tendo cursado um pré-comunitário, moradora de uma comunidade popular, bolsista de iniciação científica, que participou da realização da pesquisa e expressa de modo eloqüente este desafio:

A diversidade cultural está em todo lugar, inclusive no espaço acadêmico, e não poderia ser de outro jeito. Os indivíduos não são iguais e assim seus costumes, crenças, linguagem e estilos de vida se diferenciam. É irônico, portanto, que o ser humano sendo tão plural, não saiba acolher o que mais lhe caracteriza, a diferença. [...] Refletir sobre a diversidade cultural na universidade deve levar o sujeito a um deslocamento de sua individualidade para projetar-se no universo do outro, sendo necessário desconstruir conceitos comuns e dar-se a chance de aproximar-se de novas realidades, ampliando a troca de experiências e dando voz a outras falas que muitas vezes são silenciadas ou não têm vez. Sem esta atitude mais consciente, o processo de ensino-aprendizagem torna-se vazio, sem fundamentação e sem compromisso social, não preparando sua comunidade escolar para o exercício da cidadania, fazendo com que educadores, educandos e funcionários tornem-se conseqüentemente mais pobres de cidadania e respeito, limitando-se o ambiente universitário a desenvolver apenas competências e habilidades. Pode-se pensar em aulas de reforço e tantas outras orientações para melhorar o rendimento dos/as alunos/as em dificuldades e não só a nível relacional, e muito menos só dirigidas aos bolsistas, pois erros gramaticais e deficiências nas normas da academia são falhas de todos/as de maneira geral, ricos e pobres. Para que a universidade não seja o lugar somente da excelência intelectual, mas da excelência humana primeiramente, é necessário que todos/as privilegiem a variedade de tons, pensamentos e discursos.

        Este desafio está colocado hoje para todo o sistema educacional, da educação infantil à universidade. As questões da relação entre educação e diferença(s) nos exigem desconstruir e reinventar idéias, atitudes, ações, políticas e utopias, assim como concepções e práticas educativas.

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NOTAS
1Nesse texto, Gimeno Sacristán, utiliza os termos diversidade e diferença como praticamente sinônimos. Muitos autores e profissionais de educação também assumem esta posição. No entanto, no âmbito do multiculturalismo e dos estudos culturais se discute esta questão. Vários autores assumem com Silva (2000) a diferenciação entre eles. Nesta perspectiva, diversidade se emprega mais para constatar uma realidade, por exemplo, a diversidade cultural presente na nossa sociedade. Quanto ao termo diferença, considera-se que enfatiza “o processo social de produção da diferença e da identidade, em suas conexões, sobretudo, com relações de poder e autoridade” (p. 44-45).
2Esta parte está baseada no texto elaborado em co-autoria de Miriam S. Leite, “Diálogos entre diferença e educação”, apresentado na Mesa Redonda Novos Atores entram em Cena, no Congresso Internacional Cotidiano - Diálogos sobre Diálogos, Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense (agosto de 2005).
3Os nomes dos/as entrevistados/as são fictícios.
4Cf., por exemplo, Candau, 1983, ou Soares, 1984.
5Cf. Forquin, 1993, McLaren, 1997, Torres, 2001, Candau, 2002, Willinsky, 2002, entre outros.
6Este item tem por base o texto por nós apresentado na Mesa Redonda Novos Atores entram em Cena, realizada como parte da programação do Congresso Internacional Cotidiano, Diálogos sobre Diálogos, promovido pela Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (agosto de 2005).